Por Guilherme Justino, do Um Só Planeta
15/10/2021
Reconhecendo que um clima estável e seguro é requisito imprescindível para o desenvolvimento do Brasil, 150 especialistas e mais de 100 lideranças políticas, econômicas e da sociedade civil lançaram nesta sexta-feira (15/10) um relatório mostrando como é possível aumentar a ambição ambiental do país – e que esse esforço pode trazer uma série de benefícios.
O relatório “Clima e Desenvolvimento: Visões para o Brasil 2030” buscou construir possíveis cenários que levam em consideração a redução de emissões de gases do efeito estufa e os vários impactos econômicos e sociais que podem derivar de diferentes decisões.
Os participantes buscaram identificar, discutir e propor as oportunidades e desafios para uma transição do atual modelo de desenvolvimento do Brasil para um modelo de zero emissões líquidas. Para isso, construíram “cenários de aposta” à luz dos interesses nacionais e das responsabilidades comuns de enfrentamento às mudanças climáticas.
Foram desenvolvidos três cenários de emissão de gases do efeito estufa no Brasil até 2030. O objetivo é contribuir para um aumento da ambição de mitigação brasileira. Atualmente, a Contribuição Nacionalmente Determinada do Brasil, que reúne as nossas metas climáticas, são consideradas “muito insuficientes” para ajudar o mundo no combate às mudanças climáticas.
Os cenários são os seguintes:
- Cenário de Referência (REF), que não considera medidas adicionais de mitigação e alcança 1,7 Gt CO2eq (bilhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente) emitidas em 2030, acima do compromisso assumido na NDC (1,6 Gt CO2eq);
- Cenário de Mitigação Adicional 1 (CMA1), que fica abaixo desse limite, atingindo 0,96 Gt CO2eq em 2030;
- Cenário de Mitigação Adicional 2 (CMA2), ainda mais ambicioso, que propõe chegar a 0,50 Gt CO2eq em 2030.
A iniciativa esboçou, a partir disso, uma estratégia de desenvolvimento compatível com a trajetória de emissões de gases do efeito estufa até 2030, que leve à neutralidade de emissões em 2050. Como pano de fundo, conforme os especialistas, é possível esperar maior geração de empregos, redução de desigualdades e melhoria da qualidade de vida dos brasileiros.
“Estes cenários e sugestões de agenda pública serão comunicados, nacional e internacionalmente na COP 26, para um amplo público, mostrando caminhos viáveis de orientação do nosso desenvolvimento, compatíveis com o Acordo de Paris e fortalecendo o Brasil frente a uma nova economia global”, aponta o relatório.
Como cortar as emissões brasileiras
No cenário que não prevê mudanças dentro do que o Brasil já vem apresentando (REF), espera-se um aumento do desmatamento anual até 2023, com ligeira queda de 2023 a 2025 e estabilidade até 2030. Não haveria precificação explícita do carbono nem novas políticas climáticas até o final desta década.
Em um cenário que contempla ações mais ambiciosas na área ambiental por parte do governo brasileiro (CMA1), espera-se 66% de redução de emissões em 2030, em relação à 2005, com crescimento econômico, de empregos e de renda. Haveria não só ações de mitigação, mas também políticas de cuidado e proteção de povos e populações tradicionais responsáveis pela gestão de territórios, medidas de transição e de segurança energética para comunidades periféricas e outros.
No cenário mais otimista (CMA 2), que prevê retomada econômica com transição justa e taxa anual de desmatamento zero na Amazônia e Mata Atlântica, haveria 82% de redução de emissões até 2030, compatível com emissões líquidas zero em 2050. A maior parte das reduções de emissões viria de mudanças no uso da terra e silvicultura, pois apresentam o maior potencial de mitigação com baixo custo de redução de emissões.
Segundo os especialistas, o processo de consultas técnicas e políticas evidenciou que não é necessário escolher entre desenvolvimento e descarbonização. Na realidade, esses caminhos são complementares e se potencializam. Mais do que isso, é desejável que o Brasil realize uma transição para baixo carbono o quanto antes, para qualificar seu desenvolvimento e se tornar mais competitivo na corrida climática global.
“É um primeiro passo. É nosso desejo que esses cenários sejam, em uma próxima etapa, comunicados a quem mais sofre com o problema da mudança do clima, em uma linguagem próxima de suas realidades, e discutidos em mais espaços e com mais grupos sociais. Seguiremos buscando tratar das soluções concretas que entrelaçam emissões, pobreza energética, saneamento, cultura, segurança pública, racismo e assim por diante”, completa o documento.
O processo de criação do documento contou com a participação de 10 organizações sob a condução do Centro de Estudos Integrados sobre Meio Ambiente e Mudanças Climáticas (CentroClima) do Programa de Planejamento Energético da Coppe/UFRJ e do Instituto Talanoa, com apoio do instituto Clima e Sociedade (iCS).
Ao longo de aproximadamente dois meses, o grupo de cerca de 300 políticos, pesquisadores, ambientalistas, economistas, entidades e representantes de indústrias, do agronegócio e do mercado financeiro se reuniram com regularidade para discutir uma nova meta climática para a economia brasileira até 2030 – proposta agora com o relatório “Clima e Desenvolvimento: Visões para o Brasil 2030”.